segunda-feira, 10 de julho de 2006

O pingo

Lembro-me de antigamente sentar-me à mesa para jantar, onde estavam todos os da casa e imperava o silêncio. Durante a refeição era para estar sossegado e todos respeitavam isso. Um beliscão por baixo da mesa, uma canelada ou joelhada em surdina, mostravam algum desconforto e era declaração de briga ou mal estar. No fim da refeição o meu avô esperava os últimos, normalmente os petizes, com um ar ternurento e poderoso.

Os sinais pontuais de desconforto durante a refeição, significavam claramente uma disputa entre tios ou entre tia e avó, que só mais tarde sobraram para mim.

Com todos ainda à mesa, o “vamos lá saber o que se passa?” abria as exposições. Entre o serenar de ânimos e a pergunta objectiva, as partes falavam à vez. No fim um veredicto e eventualmente um castigo ou reparação, raramente contestado, mesmo assim quando o era, apenas se podia fundar em injustiça na apreciação ou por comparação (analogia) com decisão anterior e teria que ser imediatamente fundamentado. Neste caso, se fosse atendível ou má ponderação a coisa passava, mas se fosse inaceitável, a penalização era agravada e merecia o célebre reparo “Não tens pingo de vergonha!”.

Era assim na casa dos meus avós onde fui criado, a excepção à regra, era concedida à minha avó que quase surda, dava conta de tudo e o coração permitia-lhe atenuar um castigo, sem retirar a razão ou beliscar a autoridade e o mais que lhe poderia acontecer era um olhar espantado do meu avô, a que respondia com um encolher de ombros.

Aprendi a associar esta imagem ao conceito de “bom chefe de família”, homem justo que sabia ouvir e fazia justiça entre os seus e muito ouvido pelos patrícios. A queixa de um vizinho ou comportamento diverso das regras das pessoas de bem, era reprovável com maior rigor nos de casa do que nos de fora dela.

É este “pingo de vergonha” que me incomoda na história.

O Sr António Fiúza passando por cima de tudo e todos, desde o presidente do Lixa que o terá repetidamente avisado da impossibilidade de inscrever um jogador amador, à Liga que tendo recusado aceitar o contrato, a obrigou com o recurso aos tribunais, e cujo ónus atira para o jogador, mas o beneficiário foi o clube, acabando pelas ofensas gratuitas ao presidente de outro clube por este se sentir prejudicado e exigir justiça. Nem o pingo.

A Liga recolhe méritos na recusa da inscrição, na resolução do assunto com os tribunais e posteriormente na sua retirada de circulação. Aqui teve vergonha.

Três pingos é muito pingo para uma instituição que se deseja credível e vai daí, não abre de imediato o processo para descida imediata, uma vez que era do seu conhecimento e nele participou para impor os regulamentos, prejudicando a competição, salvaguardando apenas receitas de jogos e televisivas. Descurou aqui o preço da justiça e o ónus recai também sobre todos aqueles que se calaram, incluindo os belenenses e todos os clubes da super-liga que por conveniência, “viraram a cara para o lado” após a recusa da inscrição e cessação da providência cautelar. E foi um pingo.

E sobre a Liga recai ainda a questão de nada ter feito em relação ao seu CD pelas tropelias, o dito por não dito, a rábula da escusa hoje, amanhã resolve-se, votos de qualidade. E lá foi outro pingo.

Resta saber o desfecho e se o pingo que falta cobre tudo.

Quanto ao CD os pingos de dois elementos que determinaram o seu pedido de demissão ou exoneração, foram gastos pelos outros dois, mesmo assim, recorreram ao crédito e estão endividados. Um já está dado à penhora o outro falido. Vamos ver se os primeiros fazem valer os seus pingos e mantêm o que foi feito, chamando com propriedade a si os seus pingos.

A Federação também não fica bem na fotografia, principalmente o seu CJ. Meio pingo.

Parafraseando o meu saudoso avô, “Não têm pingo de vergonha!”.


Blue

António T.

1 comentário:

  1. Muito bom. Realmente estava enganado em relação a ti. És um gajo porreiro.

    Um abraço

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